Por Roger Mattos
O livro de Juízes retrata as condições deploráveis do povo de Israel logo após a conquista da terra prometida. Diferentemente da narrativa do livro de Josué, em Juízes percebe-se um declínio generalizado nas áreas moral, social e espiritual. Devido à ausência de uma liderança humana que conduzisse o povo em meio à desordem em que se encontrava, vivia-se um ciclo recorrente de pecado, apostasia, cativeiro e, por fim, arrependimento e libertação, mesmo tendo o próprio Deus como rei de toda a nação.
A partir de uma perspectiva teológica do livro de Juízes, pode-se extrair diversas lições que devem ser aplicadas à igreja hodierna. No contexto do livro analisado, é notória a necessidade de que a população de Israel tivesse um líder capacitado para instruir e orientar tanto nas demandas sociais quanto nas questões espirituais e litúrgicas. O próprio governo de Deus, embora perfeito, não foi suficiente para manter o povo fiel; por isso, Ele levantava homens — e uma mulher — para libertar o povo das mãos dos opressores estrangeiros.
Entretanto, a influência dos pagãos alcançou o coração dos israelitas, culminando em um ciclo catastrófico de pecado e escravidão. A etapa final da narrativa demonstra o estado de calamidade em que se encontravam: \”Naqueles dias, não havia rei em Israel, e cada um fazia o que lhe parecia correto\” (Jz 21.25). Israel estava em transição de um período teocrático para o monárquico; contudo, nesse período, não havia nem reis, nem juízes, e a nação estava em total decadência.
Todavia, mesmo com juízes encarregados de executar a justiça de Deus e trazer libertação ao povo, isso não era suficiente; somente um é suficiente: YHWH. É d\’Ele que vêm as conquistas e vitórias. Toda dependência deve estar somente n\’Ele. No período veterotestamentário, a graça de Deus não havia se manifestado plenamente, no entanto, Sua misericórdia estava presente, o que, de certa forma, equivalia à graça. O Senhor já demonstrava o seu amor incondicional por intermédio de Seu perdão e restituição, sempre levantando um novo juiz quando o povo perecia nas mãos dos adversários.
Vale ressaltar que, na ausência de uma liderança espiritual robusta e fiel, o povo de Israel se inclinou para os costumes e deuses de povos como os cananeus, mergulhando em depravação total. A igreja contemporânea encontra nesse exemplo algo a não ser seguido, pois Deus sempre preserva Seus remanescentes fiéis, como \”aqueles sete mil que não se dobraram a Baal\” (1 Reis 19.18). Uma igreja bem estruturada eclesiologicamente, tanto na parte litúrgica como na poimênica, está menos propensa a se conformar com os padrões do mundo. A igreja é — e deve ser — santa; ela é separada para um propósito no mundo.
Por fim, a transição do período teocrático para o monárquico se desenvolveu na história do povo de Deus; entretanto, esse sistema não foi a solução. Várias gerações passaram, e o povo sempre viveu instabilidades, derrotas e desunião. Até que, com a chegada do Messias, o Cristo, a liberdade foi concedida pela graça, mediante a fé. Somente Ele é o caminho para a vida eterna; n\’Ele se encontra a redenção. A solução para o caos espiritual e moral não está centrada em poder de homens, mas no poder de Deus.
Logo, a dependência da humanidade deve estar centrada somente em Jesus Cristo: Ele é o caminho, a verdade e a vida. O livro de Juízes reflete a condição do coração humano — pecador e inconstante. No entanto, a misericórdia de Deus aponta para a graça redentora de um Deus que nunca abandona Seus filhos. A igreja contemporânea deve se arrepender, submeter-se e depender de Deus, além de honrar a liderança espiritual que Ele levanta. Afinal, todos prestarão contas de seus atos no dia do juízo final.